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Bravas

Mulheres

Dois modos de ser menina.
Pelotas, séc. XIX

Bravas
Mulheres

Dois modos de ser menina.
Pelotas, séc. XIX

Na segunda metade do século XIX, era comum que as mulheres de famílias abastadas se reunissem com suas amigas para tomar chá. Entre inofensivas trocas de receitas e fofocas, durante o chá da tarde as senhoras discretamente forjavam alianças familiares, faziam intriga e política. Enquanto tomavam chá, as esposas combinavam os casamentos futuros de seus filhos e filhas, prometiam ajuda nos interesses particulares desta ou daquela família e podiam até discutir os negócios de seus maridos, interferindo neles depois através de aconselhamentos. E suas filhas eram treinadas desde cedo, brincando de bonecas, a serem senhorinhas elegantes que recebiam as amigas para o chá.

Na reserva técnica do Lepaarq há registro de várias peças de chá em miniatura e pedaços de bonecas com corpo de louça e pano, oriundos de escavações em áreas nobres da cidade. Eram brinquedos das meninas ricas.

Nos mesmos terrenos onde viviam as meninas que brincavam de festa do chá, habitavam outras famílias, formadas por pessoas que se valiam dos momentos em que estavam juntas – enquanto comiam, cuidavam de crianças e doentes, contavam histórias, dançavam, rezavam, descansavam – para se formar e se relacionar entre si enquanto seres humanos, e não mercadoria ou propriedade. A alimentação é uma prática social e também esteve diretamente ligada à criação cultural e formação de identidades negras sob a escravidão.

As vasilhas cerâmicas do século XIX encontradas na praça central da cidade são hoje um guia para construir narrativas sobre mulheres negras de ontem, que nos escuros alojamentos dos ricos e brancos casarões oitocentistas preparavam alimentos para consolar, alegrar e fortalecer corpos e espíritos.

Meninas nos Jornais
Image

fotografia: Tiago Kickhöfel

A gente produzia as bonecas com restos de roupas, tecidos de roupas que não serviam mais, porque não tinha, naquela época, até pra ganhar um retalho era difícil. A gente não tinha dinheiro pra comprar, então nós produzia tudo feito na mão, não tinha nada feito em máquina, a gente não tinha máquina. Então a gente se reunia em uma tarde, em um horário fora de aula, se encontravam as gurias e iam fazendo as bonequinhas, tudo costuradinha, botava cabelinho, vestia, botava sapatinho. E ai depois a gente se reunia com elas pra brincar, a gente saia a passear, fazia umas carrocinhas de lata de óleo. Ai nós fazia elas passear, elas iam em Pelotas, elas iam em Canguçu. Ai todas elas tinham nome, era uma família inteira. O pai das crianças, tinha a mãe das crianças, tinham as crianças, e tudo tinham nome. A gente chamava uns nomes estranhos, era “Nêga”, tinham uns nomes muito esquisitos, de todo o tipo [...] O brinquedo tudo era igual: a gente fazia a caminha, fazia guarda-roupinha de caixinha de remédio, a gente montava uma casinha pra elas. E aí nós tinha uma família inteira.

texto: Depoimento de Carmem Lúcia dos Santos, Grupo de Mulheres Artesãs da Comunidade Quilombola de Maçambique, Canguçu/RS

Menina Pretinha - Mc Soffia

Menina pretinha
Exótica não é linda
Você não é bonitinha
Você é uma rainha

Devolva minhas bonecas
Quero brincar com elas
Minhas bonecas pretas
O que fizeram com elas?

VOU ME DIVERTIR ENQUANTO SOU PEQUENA
BARBIE E LEGAL, MAS EU PREFIRO A MAKENA
AFRICANA, COMO HISTÓRIA DE GRIO
SOU NEGRA,
E TENHO ORGULHO DA MINHA COR

Menina pretinha
Exótica não é linda
Você não é bonitinha
Você é uma rainha

O meu cabelo é chapado, sem precisar de chapinha
Canto rap por amor essa é minha linha
sou criança sou negra, também sou resistência
racismo aqui não se não gostou paciência.

Clipe oficial da música: Menina Pretinha
Diretor: Vras77
Assistente: Washington WTO
Tag Venturisação: Bonga Produções

As peças expostas foram recuperadas em escavações arqueológicas na Praça Pedro Osório, em Pelotas, e em casarões de seu entorno.

Acervo Lepaarq/UfPel/ AMAA

fotografia: Daniele Borges Bezerra
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